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M a n i f e s t o

 

Por amor aos nossos filhos e filhas

                                                                                                                                                                          

                                                                                                                                                                               

                                                                                                                                                                               

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“Acredito que nenhuma mãe, nenhum pai vai querer colocar a vida dos filhos em risco, muitos deles são asmáticos ou tem outra patologia crônica, fazem parte do grupo de risco, o meu filho é asmático e ele não volta em junho.” [Tamy - Mãe no Quilombo dos Machado] “Os governantes não pensam na saúde dos nossos filhos. Se pensassem, não escolheriam estas medidas. Nós pensamos porque temos amor pelos nossos filhos.” [Geneci - Mãe no Quilombo Flores]

Porto Alegre, outono de 2020

Manifesto

Seguimos perguntando aos que nos acompanham: o que vocês seriam capazes de fazer por amor a uma pessoa querida? Por amor a seus filhos e filhas? O amor é um sentimento político com força revolucionária - como lembram bell Hooks e Paulo Freire - mas na lógica capitalista sempre foi rebaixado como elemento pouco racional. Quando surge no desabafo de mães quilombolas, o amor tem a força de interpor-se a decisões ilegítimas, de clamar para que "salvar o ano letivo" não seja mais importante do que salvar a vida das comunidades. Isso, porque não é possível conceber uma criança quilombola como uma partícula a ser isolada em um quarto só seu. Uma criança quilombola é agente importante e constitutivo de uma trama comunitária e mandá-la à escola implica em mandar um quilombo inteiro junto com ela!

 

O que todo mundo consegue perceber nesta crise planetária é a facilidade com que poderá ser utilizada como guerra biológica. Para isso, necessita apenas que não sejam barradas as medidas políticas para extermínio em massa de populações que estão em curso e aquelas que já se apresentam no horizonte. No interior de um sistema econômico que já estava em crise por seus próprios mecanismos de funcionamento, esse sacrifício é estratégico, já que ele necessita que “alguns morram” para seguir vigente. E como disse o chefe da nação “alguns vão morrer”, “e daí?”. Sabemos que estes “alguns” serão muitos, e, muitos dos nossos. As pessoas que amamos, crianças, jovens,adultos, idosos, são consideradas pelo sistema vigente como mão-de-obra barata, que poderá ser substituída pelo o automatismo da indústria 4.0.

 

Reforçamos que não estamos perdendo número de pessoas, estamos perdendo pessoas e sem a possibilidade de despedidas justas e honestas com as histórias de vida dos entes queridos dignos do nosso amor. Nossas crianças são nossa força e potência, são o que temos de mais precioso e sagrado. Sendo assim, colocando em risco uma criança quilombola, coloca-se em perigo a continuidade de uma comunidade. E talvez seja exatamente esse o plano.

 

Quando foi anunciada, no final de abril, a possibilidade de retorno às aulas para junho de 2020 nos bateu o sentimento de revolta.

 

Não podemos arriscar a vida deles, eles não irão fazer distanciamento social e muito menos ficar o período todo de máscaras. Acorda, seu governador idiota, não existe possibilidade de retorno, vai ser um caos! Ano letivo se recupera, a vida do meu filho não é negociável.

 

Levando em conta o art. 227 da Constituição Federal de 1988, que afirma ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão [1];

 

Considerando também o Estatuto da Criança e do Adolescente, que nos assegura que a responsabilidade pela vida das crianças e adolescentes é da sociedade, da família e do Estado [2];

Observando o disposto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, que afirma contundentemente que para qualquer ação que incida sobre as dinâmicas dos territórios de comunidades tradicionais, que dizem respeito à vida, há a necessidade de consulta às comunidades [3]. E entendendo que, em Porto Alegre, as medidas na área da educação, saúde e território há tempos são realizadas sem consulta prévia às comunidades, mas que o momento acarreta responsabilidade de vida e morte muito acentuada e que a vida das pessoas, a vida dos filhos e filhas, não é negociável - como esbraveja a mãe quilombola;

 

Problematizamos o tratamento que a opção, adotada pelo sistema educacional, acarreta às nossas crianças. Medidas que evidenciam o modo como a estrutura institucional racista - que é formada por pessoas - é direcionada contra nós. As atividades do ensino remoto, tentativas de uma educação à distância, passam longe das nossas realidades nos territórios. Os gestores da educação e os professores da rede pública parecem desconhecer ou desconsiderar essas realidades ao proporem atividades que necessitam largamente de internet, de computadores, de celulares eficientes, de impressoras, etc.

 

Tão grave quanto o que foi relatado até aqui é a qualidade das atividades que chegam às nossas casas. Estas atividades precisam do nosso suporte, mas não levam em consideração as nossas experiências para que possamos contribuir com o processo de aprendizagem de nossos filhos. As atividades são segmentadas, como se o aprender fosse fragmentado, como se a vida fosse fragmentada! Parece que os professores não conversam entre si! Também nos manifestamos contra o volume quantitativo dessas tarefas, que acaba estressando e não contribuindo para as rotinas das crianças que estão em casa. Elas, muitas vezes, se desinteressam pelas tarefas atribuídas, quando poderiam estar tomando esse tempo para aprender, questionar e refletir sobre outras coisas, mais conectadas com este momento tão difícil.

 

Afirmamos o posicionamento em nota pública do Cpers-Sindicato, ao anunciar que “abrir as escolas neste momento seria armar uma bomba biológica em cada região do Estado”. Estamos de acordo com a União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme-RS) que “ A vida vem em primeiro lugar.” Compreendemos, também, que há toda uma rede profissional que precisa ser manejada para que o atendimento educacional se efetive. O posicionamento da Famurs, alerta que “para tomar a decisão de retorno será preciso ter critérios técnicos que garantam a preservação da comunidade escolar e que contribuirão para a redução da velocidade de disseminação do vírus”. A União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime/RS), se posiciona a favor da manutenção da suspensão das atividades escolares para todas as redes (municipal, estadual e privadas) “amparados pelas orientações dos órgãos de saúde, pois não há como garantir a segurança de alunos, profissionais da área da educação e familiares, tendo em vista que não há como manter a distância recomendável entre os alunos em sala de aula ou a higienização permanente dos espaços escolares.” Eles ainda destacam que “a nível de Estado ou país, não temos um protocolo de ação, com critérios que possam garantir a saúde da comunidade escolar”.[4]

 

Diante do exposto, destacamos nosso posicionamento:

1. As aulas não podem voltar antes que as escolas sejam espaços seguros e as pessoas não corram riscos nesta Pandemia, antes que se tenha uma solução da área da saúde coerente com a vida. Antes, as crianças quilombolas não voltarão, pois o quilombo todo estará em perigo, se isso acontecer.

2. Permanecendo em casa, as atividades atribuídas não podem seguir do modo como vem acontecendo: sem levar em conta a infra-estrutura real das comunidades, sem consultá-las em momento algum, contrariando não apenas as manifestações de inúmeros órgãos competentes, mas deixando de levar em conta a saúde emocional do nosso território, submetendo crianças, a nós e às comunidades a grandes transtornos. O modelo até então adotado só amplifica as injustiças.

3.Nossos antepassados construíram este estado com seu sangue e suor, passaram por muitos momentos de crise, enfrentaram muitas doenças, lutaram em muitas guerras. Em pleno século XXI, não aceitaremos, em nome de suas memórias e por amor aos nossos familiares, esta medida de extermínio às comunidades quilombolas, negras, de periferias.

4. Apoiamos todos e todas profissionais da educação, da saúde e das áreas fundamentais que precisam seguir funcionando como trabalhadores e trabalhadoras da limpeza, dos supermercados e outros. Apoiamos os que compreendem o que está realmente em jogo com as ações irresponsáveis do presidente, o anúncio do governador do estado e as medidas adotadas pelo prefeito. A saúde das pessoas e das comunidades deve ser a prioridade neste momento.

                                               

Se Palmares não existe mais, faremos Palmares de novo!

Reparações Históricas e Humanitárias pelos crimes contra nossas humanidades!

Ficaremos vivas e vivos

Por amor aos nossos filhos e filhas!

 Assinam este manifesto:

Mães e Pais dos territórios que constroem a Frente Quilombola RS

- Quilombo Silva

- Quilombo Areal da Baronesa

- Quilombo Fidelix

- Quilombo dos Alpes

- Quilombo dos Machado

- Quilombo dos Flores

- Quilombo Lemos

- Quilombo Ylê de Oxum e Ossanha- Mãe Paty

Apoiam esse manifesto:

Centro de Referência Afro indígena Ocupação Baronesa

Associação Cultural Capoeira Angola Rabo de Arraia-ACCARA-Mestre Ratinho

Utopia e Luta

Organização para Libertação do Povo Negro-OLPN

Coletivo Alicerce

Amigos da Terra Brasil-ATBR

Núcleo de Estudo sobre Geografia e Ambiente- NEGA-UFRGS

Laboratório Urgente de Teoria Armada-LUTA (NEABI/UFRGS)

Quilombo da Anastácia

Coletivo Negro Ubuntu Ukama

Conselho de Educação Popular da América Latina e Caribe

Associação dos Supervisores de Educação do Estado do Rio Grande do Sul-ASSERS

Café com Paulo Freire

Movimento Popular Pedagógico Escola do Povo

Movimento em Defesa da Educação

Simpa, Sindicato dos Municipários de Porto Alegre

Grupo de Trabalho Autonomias, Territórios Y Memorias: Geopolíticas en Disputa (Conselho Latinoamericano de Ciencias Sociales)

Coletivo Ninguém solta a mão, resistindo pela educação

Coletivo de Professoras e Professores da disciplina Encontro de Saberes/UFRGS

IAFRA – Instituto África-Américas

Núcleo de estudos afrobrasileiros e indígenas do IFSUL - Campus Sapucaia do Sul

Fórum de EJA do RS (FEJARS)

Laboratório de Ensino de História e Educação - LHISTE/UFRGS

Comitê Corona Viamão

Escritório Modelo da UFRGS

Urbanismo contra o Corona RS

Professorxs pela Democracia da UFRGS

Satedrs - Sindicato dos artistas e técnicos em espetáculos de diversão do Rio Grande do Sul

Fórum de Ação Permanente da Cultura

Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito

Quilombo Macanudos

Coletivo quilombola da FURG

Neabi FURG

Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero - GEERGE/UFRGS

Intersindical

Associação de Educadores Populares de Porto Alegre ( AEPPA)

Movimento de Educação Popular ( MEP)

Movimento por uma Universidade Popular (MUP)

Comunidad de estudios JAINA (sur de Bolívia)


Movimento dos Policiais Antifascismo no Rio
Grande do Sul


SIMVIA, sindicato dos municiparios de Viamão


22° Núcleo Cpers Sindicato


Movimento das Meninas Crespas


NEPEMIGRA - Núcleo de Ensino, Pesquisa e
Extensão em Migrações (UFRGS)


Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário
Federal e do Ministério Público da União no
Rio Grande do Sul (Sintrajufe/RS)


Grupo de Pesquisa Universidades Emergentes
(PPGEdu/UFRGS)


Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros, Indígenas
e Africanos- NEAB UFRGS


Laboratório de Arte, Território, Eqüidade e
Cultura- LATEC/UFRGS

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